quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Método com bebida milenar indígena trata dependentes químicos

Casa terapêutica no Acre trata dependentes químicos com ayahuasca

Método com bebida milenar indígena 

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BEBIDA USADA NA AMAZÔNIA

A ayahuasca é uma bebida milenar utilizada por indígenas da Amazônia no Peru, na Bolívia e no Brasil. No Acre, descendentes de escravos que trabalhavam em seringais difundiram o uso ritualístico do chá no início do século XX. Pelo país há hoje alguns milhares de adeptos do ritual. O chá não provocaria dependência química, segundo especialistas, e suspeita-se que tenha eficácia biológica sobre o cérebro dos dependentes.

- Temos evidências que indicam que há, sim, um efeito para acalmar a síndrome de abstinência - afirma o psiquiatra Luis Tófoli, da Unicamp, que vem conduzindo estudos no tema.



Segundo Tófoli, a planta pode ter um efeito semelhante ao do LSD, comprovadamente uma droga que auxilia, segundo a literatura médica, a combater vícios como o alcoolismo. Mas ressalta que faltam estudos. Segundo ele, o chá não causa dependência.

Mesmo sem comprovação científica do tratamento, há pelo menos três anos o Tribunal de Justiça do Acre tem enviado presos em liberdade condicional ou que devem cumprir penas alternativas para reclusão e tratamento na Caminho da Luz. Atualmente há cerca de 35 detentos ali. Para cada um deles, a casa recebe um repasse do governo federal. É comum ver pessoas com tornozeleiras eletrônicas caminhando entre as mangueiras e castanheiras do espaço.

- O estado não dispõe de clínicas terapêuticas próprias, então encaminhamos os reeducandos (presos) para clínicas particulares. Eles vão se quiserem, o estado permite, é um uso monitorado - afirma a juíza Maha Kouzi Manasfi, da Vara de Execuções de Penas Alternativas do Tribunal de Justiça do Acre. - Sabemos que um dos maiores motivos de descumprimento de penas e de crimes é o uso de drogas. Na minha opinião, a questão da religião é primordial. O fortalecimento espiritual que a Caminho de Luz faz é fundamental para eles vencerem essa batalha.

Desde os anos 2000, o chá foi liberado para uso religioso e ritualístico no Brasil. Mas não há autorização para uso terapêutico. A Caminho de Luz, que agrega a religião à terapia, está num limbo jurídico. O tratamento pode ser considerado irregular, segundo a regulamentação do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).

Além disso, a instituição acolhe menores dependentes que perderam o contato com a família, o que, em tese, é irregular.

- O que eu posso fazer? Aqui recebo qualquer um que peça ajuda, somos uma instituição religiosa e humana, estamos de braços abertos para as pessoas - afirma Muniz.

Ele diz que, após o tratamento, parte dos antigos pacientes continua seguindo a religião e frequentando a casa:

- Mas outros só voltam a aparecer dez anos depois, bem de saúde, sem nunca mais terem tomado o chá.

ENTORNO SOCIAL AJUDARIA

Para o antropólogo Marcelo Mercante, o chá pode até ajudar na recuperação das pessoas, mas a força do tratamento está na reconstrução de uma comunidade em torno dos dependentes.

- É um fenômeno parecido com o que acontece em uma comunidade terapêutica evangélica ou até em uma comunidade de ateus. O cerne da dependência é a questão social - diz.

O tratamento com ayahuasca tem riscos. Há quatro anos, o assassinato do cartunista Glauco Villa-Boas pelo jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, que sofre de esquizofrenia, trouxe à tona o problema de ministrar o chá para pessoas psicóticas. Nesses casos, a droga pode provocar surtos.

- O chá não é uma panaceia. E não é para qualquer pessoa. O uso pode ter efeitos benéficos, mas ainda não sabemos quais são eles nem, tampouco, o que é efeito biológico da droga e o que é efeito da comunidade religiosa em torno dos pacientes - conclui Luis Tófoli.

Fonte: 
http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/casa-terapeutica-no-acre-trata-dependentes-quimicos-com-cha-do-santo-daime-13995529